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17.08.2023

Precedente do Cade indica critérios para cooperação de concorrentes em sustentabilidade ambiental

O Tribunal do Cade aprovou recentemente operação envolvendo a constituição de joint venture para desenvolvimento de software de medição de sustentabilidade. O precedente revela o estágio atual dos padrões de análise da matéria pelo Cade e fornece parâmetros objetivos para operações futuras.

O Tribunal do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – Cade aprovou recentemente operação envolvendo a constituição de joint venture para desenvolvimento de software de medição de sustentabilidade na cadeia de suprimentos agrícolas e alimentícios. Em um momento em que autoridades de outras jurisdições têm procurado favorecer iniciativas de sustentabilidade, o precedente revela o estágio atual dos padrões de análise da matéria pelo Cade e fornece parâmetros objetivos para operações futuras.

Iniciativas de cooperação entre concorrentes com objetivos de sustentabilidade podem despertar preocupações das autoridades concorrenciais, consistindo, por vezes, em infrações antitruste, o que acaba por frear inciativas desejáveis nessa matéria.

Diante disso, nos últimos anos, diversas autoridades concorrenciais ao redor do mundo como Holanda, Grécia, Alemanha, Áustria, Reino Unido e União Europeia têm buscado publicar orientações e diretrizes com o fim de direcionar a atuação antitruste na questão da cooperação entre concorrentes para fins de sustentabilidade ambiental. Merece destaque a atuação recente da Comissão Europeia que, em junho de 2023, aprovou novo Guia sobre a aplicação do Artigo 101 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”) a acordos horizontais de cooperação, dedicando um capítulo inteiro ao tema dos “sustainability agreements”. Do mesmo modo, o guia publicado pela autoridade holandesa, que assumiu protagonismo nos últimos anos na discussão sobre concorrência e sustentabilidade, prevê expressamente a possibilidade de se compensar efeitos anticompetitivos com ganhos de sustentabilidade fora do mercado.

No Brasil, apesar de a autoridade antitruste ainda não ter avançado na discussão sobre elaboração de estudos ou diretrizes para análise desse tipo de acordo, o Cade já se debruçou algumas vezes sobre casos envolvendo cooperação entre concorrentes com objetivo de sustentabilidade. O caso mais recente analisado pela autoridade envolve a formação de uma joint venture entre a SustainIt, a Cargill, a Louis Dreyfus e a ADM International, visando a desenvolver e operar uma plataforma de software voltada ao rastreamento de métricas de sustentabilidade nas cadeias de suprimentos alimentícios e agrícolas. A análise do Cade voltou-se para a avaliação de se a plataforma resultaria em: (i) criação ou imposição de padrões de sustentabilidade que resultassem em efeitos exclusionários ou discriminatórios e (ii) acesso a informações concorrencialmente sensíveis por parte das requerentes.

Em sua decisão, o Cade acolheu o argumento das partes de que a plataforma não tem como objetivo ser uma definidora de novas métricas de desempenho de sustentabilidade, visando unicamente a oferecer uma solução digital que recria fluxo de informação já existente de forma mais consistente, eficiente e aprimorada. Dessa forma, as normas continuarão a ser definidas em um ambiente externo (ONGs, organizações governamentais etc.), sob o qual as partes não detêm qualquer controle. O Cade também entendeu que a plataforma estará disponível para acesso a qualquer participante da cadeia de suprimentos em condições comercialmente razoáveis e não discriminatórias, e não oferecerá serviços de acreditação/certificação de rótulos de sustentabilidade aos fornecedores, concluindo que a joint venture não resultaria em práticas discriminatórias e alteração de condições comerciais no mercado de commodities.

Com relação a eventual troca de informações sensíveis, as partes esclareceram que as informações disponíveis na plataforma serão compartilhadas de forma limitada e direcionada, de modo que os dados de cada fornecedor estarão disponíveis apenas para o comprador/cliente que tenha relação comercial em andamento com aquele fornecedor, preservando-se a confidencialidade e evitando a troca de informações entre partes não relacionadas. Assim, a plataforma não funcionará como um marketplace, não permitindo qualquer tipo de transação entre participantes. Adicionalmente, as partes se comprometeram a adotar mecanismos para preservar a confidencialidade das informações, tais como limitações de acesso em relação aos próprios empregados da joint venture, equipe de suporte independente, adoção de protocolo antitruste, garantia de autonomia do Chief Compliance Officer da joint venture, entre outras. O Cade entendeu como suficientes os cuidados adotados pelas requerentes para mitigar eventuais riscos concorrenciais e aprovou a operação sem restrições.
A decisão do Tribunal do Cade nesse caso revela uma tendência da autoridade de ainda avaliar eventuais acordos de sustentabilidade sob uma perspectiva tradicional do direito antitruste (buscando a proteção da concorrência via maximização do bem-estar dos consumidores), sem fazer distinções significativas entre esses casos e outras formas de cooperação entre concorrentes, apesar do movimento observado em outras autoridades concorrenciais de promover orientações específicas para análise de tais acordos e de sopesar, nessa análise, os benefícios de sustentabilidade gerados por eles.

Apesar de o Cade não demonstrar, pelo menos até o momento, perspectiva de mudança na ótica de análise concorrencial dos acordos de sustentabilidade (entrando no equilíbrio entre os benefícios gerados pela cooperação), observa-se que a autoridade tem acompanhado de perto os movimentos das diferentes autoridades antitruste ao redor do mundo, utilizando, por vezes, suas diretrizes como subsídio para análise e fundamentação de suas decisões. No entanto, considerando o crescimento desse tipo de iniciativa no Brasil e ao redor do mundo, seria importante que o Cade assumisse papel ativo na elaboração de guias e orientações para analisar casos concretos, bem como evoluísse no desenvolvimento de metodologia de análise para o sopesamento de benefícios de sustentabilidade com eventual redução da concorrência, conforme observado em outras jurisdições.

Veja também: https://mbclaw.com.br/cade-divulga-numeros-sobre-sua-atuacao-em-2023/

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