Lei 14.470/2022: ausência de presunção do repasse de sobrepreço em casos de cartel ou condutas anticompetitivas
A Lei 14.470/22 modificou a Lei de Defesa da Concorrência, estabelecendo que não há mais presunção […]
Em setembro, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), a mais alta corte do bloco, definiu parâmetros mais rigorosos para a admissão da conformidade concorrencial das cláusulas de paridade (também conhecidas como cláusula de nação mais favorecida – MFN). A decisão foi proferida no contexto de uma disputa entre o Booking.com e diversos fornecedores de acomodação da Alemanha e retoma tema de grande relevância para as autoridades concorrenciais na Europa e no Brasil.
As cláusulas de paridade impostas pelo Booking têm como objetivo impedir que hotéis pratiquem preços e condições mais vantajosas em seus próprios canais de venda (online ou offline) ou em plataformas concorrentes em relação às condições ofertadas pela própria empresa. O objetivo é proteger o Booking e outras plataformas de agências de viagens online (OTAs na sigla em inglês) contra comportamentos oportunistas ou o chamado “efeito carona”, situação na qual os hotéis se aproveitariam da visibilidade das OTAs para anunciar suas acomodações, mas não pagariam pelo serviço, direcionando e concluindo a transação em seus próprios canais de venda ou em plataformas concorrentes.
O caso, que originou da condenação do Booking pela autoridade concorrencial alemã pela utilização desse tipo de cláusulas em seus contratos, analisa se as cláusulas de paridade impostas pela empresa poderiam ser consideradas “restrições acessórias” e, como tal, estariam excluídas do escopo do Artigo 101 (1) do Tratado sobre Funcionamento da União Europeia (TFUE).
Em linhas gerais, para que uma restrição seja classificada como “acessória” nos termos do TFUE, é necessário demonstrar:
Em sua decisão, O TJUE concluiu que as cláusulas de paridade de preços, apesar de capazes de mitigar eventuais “efeitos carona” e gerar ganhos de eficiência, não são objetivamente necessárias para implementação do modelo de negócio das OTAs, não consistindo “restrições acessórias”, nos termos do Artigo 101 (1) do TFUE.
Especificamente, o Tribunal considerou que as cláusulas de paridade “ampla” (que impedem a oferta de condições mais vantajosas em quaisquer canais de venda online e offline) produzem efeitos anticompetitivos, ao reduzir a concorrência entre as diversas plataformas de reservas de hotéis, e potencialmente excluir plataformas pequenas e novos entrantes. As cláusulas de paridade restrita (cuja proibição se limita ao canal de venda online do vendedor), por sua vez, apesar de terem menor potencial anticompetitivo, ainda assim foram consideradas não essenciais para viabilidade do negócio das plataformas.
A decisão do TJUE não determina que as cláusulas de paridade de preços, mesmo aquelas de escopo amplo, sempre violarão as regras de concorrência da União Europeia. As empresas podem justificar sua conformidade concorrencial pela demonstração de suas eficiências, conforme Artigo 101(3) do TFUE, que prevê exceções a acordos com contornos restritivos da concorrência mediante ponderação dos efeitos positivos e negativos da prática.
No Brasil, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) enfrentou o tema em caso julgado em 2018, que encerrou com a celebração de acordos com Booking.com, Decolar e Expedia, por meio dos quais as OTAs se comprometeram a renunciar às cláusulas de paridade ampla, mantendo, no entanto, o direito de exigir em seus contratos cláusulas de paridade restrita. Na visão do Cade, o compromisso representa um ponto de equilíbrio, na medida em que minimiza o “efeito carona” no mercado de reservas online de hotéis, ao mesmo tempo em que mantém a liberdade dos ofertantes de acomodações para definir seus preços e condições comerciais, tudo em benefício do consumidor.
Além de retomar tema que permeou o debate antitruste na última década, a decisão recente do TJUE apresenta entendimento mais conservador em relação às cláusulas de paridade restrita, atualmente aceitas pelo Cade e por diversas autoridades antitruste europeias, tais como Itália, Suécia e França.
A decisão, contudo, não proíbe a imposição das cláusulas de paridade (sejam amplas ou restritas), condicionando sua licitude à comprovação de sua essencialidade para viabilidade do modelo de negócio das plataformas e ponderação entre os efeitos anticompetitivos e potenciais benefícios advindos da prática. No fim, a análise da licitude da prática continuará a ser decidida caso a caso.
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