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Ausência de novas decisões do Cade sobre colaboração entre concorrentes no âmbito da pandemia de Covid-19

Ausência de novas decisões do Cade sobre colaboração entre concorrentes no âmbito da pandemia de Covid-19

Priscila Viola Foureaux

A pandemia de COVID-19 tem gerado repercussões em diversos setores da economia, exigindo medidas excepcionais para combater efeitos negativos da crise. Nesse contexto, a implementação de estratégias de cooperação entre concorrentes tornou-se tema de discussões em várias jurisdições, eis que, a depender dos contornos, a cooperação pode contribuir para o bem-estar do consumidor no momento de crise, mas pode também provocar efeitos anticoncorrenciais.

Especificamente no Brasil, a discussão ganhou evidência inicialmente com o Projeto de Lei n. 1.179/2020 (que deu origem a Lei n. 14.010/2020 – Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado- “RJET”), que isentou acordos de cooperação entre concorrentes – na forma de contrato associativo, consórcio ou joint venture – da obrigatoriedade de aprovação prévia pelo Cade. Posteriormente, o assunto ressurgiu com a apreciação do “Movimento Nós” – iniciativa de empresas de bebidas e alimentos criada para recuperar atividade de pequenos varejistas – pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (“Cade”). Trata-se da primeira – e única – decisão do órgão sobre cooperação entre concorrentes no âmbito da pandemia de Covid-19.

Mais recentemente, à semelhança de outras autoridades de defesa da concorrência, o Cade divulgou a Nota Informativa Temporária sobre Colaboração entre Empresas para Enfrentamento da Crise de COVID-19 (“Nota”), não vinculativa, que busca oferecer maior transparência e previsibilidade aos agentes econômicos, esclarecendo parâmetros para a licitude das estratégias de cooperação entre concorrentes e alternativas procedimentais de consulta ao órgão.

A Nota confirma os parâmetros explicitados pelo Tribunal do Cade na apreciação do “Movimento Nós”, que ocorreu em maio. Nesse sentido, a colaboração deve buscar tratar problema específico que tenha como causa a pandemia de Covid-19 ou seus efeitos, e sua abrangência temporal e geográfica devem ser limitadas ao necessário para combater tais efeitos negativos. Além disso, explicita-se a importância de demonstrar que os resultados benéficos esperados com a colaboração não poderiam ser alcançados sem a adoção da medida. E há também recomendação de implementação de controles de governança e regras de compliance específicas para mitigar os riscos decorrentes da interação entre os concorrentes no âmbito da cooperação – como, por exemplo, troca de informações concorrencialmente sensíveis – e para assegurar a preservação da concorrência.

Para obtenção de pronunciamento do Cade sobre a licitude de cooperações cogitadas são indicadas 3 alternativas de procedimento: (i) Canal de Comunicação com a Superintendência-Geral do Cade (“SG”), criado especificamente para tratar de questionamentos sobre estratégias para combater a crise decorrente da pandemia, (ii) petição simples e (iii) consulta.

Por meio do Canal de Comunicação e de petição, a autoridade emite pronunciamento (não vinculante) sobre a existência ou a inexistência de indícios de infrações à ordem econômica. No Canal de Comunicação a análise se restringe apenas à SG, e no procedimento de petição há pronunciamentos independentes pela SG e pelo Tribunal do Cade. Segundo a Nota, tais pronunciamentos são uma espécie de juízo prévio, e a autoridade tem a prerrogativa de reavaliar seu entendimento, caso sejam verificados indícios de infração à ordem econômica na implementação da colaboração ou em sua decorrência. A consulta, por sua vez, permite aos agentes econômicos ter maior segurança jurídica e previsibilidade, na medida em que a decisão vincula o Tribunal do Cade e as partes, nos limites dos fatos apresentados. A consulta é disciplinada em resolução específica, e sua apresentação exige a observância de requisitos obrigatórios (deve ter como objeto fato específico, sendo vedada questão puramente hipotética ou em abstrato, e é necessário o pagamento de taxa processual, dentre outros requisitos).

Não há dúvidas de que a divulgação da Nota é positiva, na medida em que sinaliza aos administrados os contornos recomendados para que estratégias de cooperação entre concorrentes estejam em conformidade com as normas de direito concorrencial, e que tenham sido confirmados os parâmetros explicitados anteriormente pelo Cade, na análise da iniciativa “Movimento Nós”. Essa presteza e transparência de critérios pode, contudo, ter contribuído para a não submissão ao Cade de novas cooperações relacionadas à pandemia.

Explica-se: a decisão sobre o “Movimento Nós” segue sendo a única decisão sobre estratégia de cooperação no âmbito da pandemia de Covid-19. Contudo, é pouco crível que não estejam em cogitação ou mesmo em implementação cooperações para lidar com as consequências da atual pandemia. Nesse sentido, é possível, que o caráter sigiloso dos procedimentos oculte tentativas de cooperações que tenham sido levadas ao conhecimento do Cade e não tenham sido implementadas pelas partes. No entanto, parece ser mais provável que os custos envolvidos em consultar a autoridade, o caráter emergencial desses acordos e a clareza nos parâmetros divulgados pelo próprio Cade, estejam resultando em empresas prosseguirem com as estratégias de cooperação sem buscar a validação da autoridade.

Especialmente para essa última hipótese, é de extrema importância a adoção de regras robustas de compliance para mitigar riscos de infração concorrencial, principalmente aqueles relacionados à uniformização de comportamentos entre concorrentes e à troca indevida de informações concorrencialmente sensíveis.

A íntegra da Nota pode ser consultada no link abaixo:

Nota Informativa

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