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11.10.2024

Ministério da Fazenda apresenta proposta de regulação das plataformas digitais no Brasil

A Secretaria de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda (SRE) publicou, na quinta-feira (10/10), recomendações para a regulamentação das plataformas digitais no Brasil. As medidas específicas propostas pelo governo federal são resultado de amplo estudo da literatura acadêmica e de relatórios técnicos, de benchmarking internacional de práticas regulatórias, de estudos econômicos específicos para o contexto brasileiro e da análise das contribuições recebidas no contexto da Tomada de Subsídios SRE/MF nº 1/2024.

As recomendações da SRE partem das seguintes premissas: (1) reconhecimento da relevância das plataformas digitais para o crescimento econômico global e local, impulsionando a produtividade no Brasil; (2) papel de crescente relevância do Cade na análise de condutas e operações nos mercados digitais; e (3) diagnóstico de que o antitruste tradicional não dispõe atualmente do ferramental necessário para lidar com determinadas dinâmicas diferenciadas das plataformas digitais e responder às preocupações econômicas e concorrenciais decorrentes de alguns modelos de negócio.

A partir desses achados, as medidas da SRE abrangem três propostas principais:

  1. Reforço institucional do Cade: sinalização do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) como autoridade adequada para regular as plataformas digitais, com recomendação de alterações legislativas para incluir novas competências e atribuições para a autoridade concorrencial e criar fóruns de cooperação com outras autoridades (especialmente ANPD e Anatel);
  2. Regulação das plataformas de relevância sistêmica: criação de procedimentos para permitir ao Cade a designação de determinadas plataformas como de relevância sistêmica, atuantes em mercados digitais cujos fortes efeitos de rede e elevado grau de complexidade levam a um cenário de ausência de concorrência efetiva, assim como para imposição de obrigações procedimentais, de transparência e substantivas às plataformas designadas; e
  3. Melhorias no ferramental antitruste: realização de melhorias e ajustes pontuais nas ferramentas antitruste já existentes para a análise de condutas e atos de concentração.

Recomendações para o Cade e melhorias na Lei de Defesa da Concorrência

Com relação às medidas contempladas na primeira proposta, a SRE sugeriu alterações na Lei de Defesa da Concorrência (LDC), com a introdução de novos instrumentos para reforço do desenho institucional do Cade. As novas regras conferirão ao Cade poderes específicos para (i) designar as plataformas com relevância sistêmica em mercados digitais, (ii) introduzir obrigações procedimentais e de transparência, que poderão ser impostas aos agentes designados a partir do momento da designação, a critério do Cade, e (iii) estabelecer procedimento para que o Cade investigue as empresas designadas e defina obrigações substantivas específicas para cada caso. A SRE também recomenda a criação de uma unidade especializada em mercados digitais dentro do Cade, assim como a criação de um fórum de cooperação entre Cade e outras autoridades. Ademais, recomenda a complementação dos poderes do Cade para, no âmbito da elaboração de estudos econômicos, requisitar informações e analisar dinâmicas competitivas, mesmo fora de uma investigação específica de condutas ou de atos de concentração.

Critérios para designação de plataformas de relevância sistêmica

Com relação à segunda proposta, aplicável às plataformas de relevância sistêmica, a SRE recomenda que a legislação estabeleça critérios qualitativos e de faturamento mínimo para essa designação pelo Cade, sendo que o processo de designação poderá ser iniciado pelo Cade ou por terceiros, sujeito à aprovação final do Tribunal do Cade, considerando os seguintes critérios cumulativos:

  • Critérios qualitativos: presença em mercados de múltiplos lados; poder de mercado associado a efeitos de rede; integrações verticais em mercados relacionados; acesso a grandes volumes de dados pessoais e comerciais relevantes; oferta de múltiplos serviços digitais; e número significativo de usuários; e
  • Critérios de faturamento mínimo: previsão de limiares mínimos de faturamento em âmbito global e no Brasil, de modo a garantir que empresas cujo faturamento seja inferior ao da legislação estejam isentas da designação (safe harbor).

Essa proposta busca promover concorrência e contestabilidade em ecossistemas de grandes plataformas digitais, assegurando ganhos de competitividade, liberdade de escolha dos usuários e transparência em mercados digitais marcados pela ausência de concorrência efetiva.

Melhorias e ajustes pontuais nas ferramentas antitruste

Sobre a terceira proposta, para as plataformas em geral atuantes em mercados digitais, a SRE propõe ações voltadas à realização de melhorias e ajustes pontuais nas ferramentas antitruste já existentes para a análise de condutas e atos de concentração, incluindo: (i) inserção de questões específicas no formulário de notificação, (ii) adoção do rito ordinário para a análise de atos de concentração envolvendo grandes plataformas digitais, (iii) incremento da utilização do artigo 88, §7º da LDC, e (iv) atualização dos valores de faturamento para notificação obrigatória de atos de concentração. A adaptação do ferramental já existente busca fortalecer a atuação do Cade em mercados nos quais a concorrência é viável.

Impacto das novas regras para o mercado digital no Brasil

As propostas da SRE serão apresentadas ao Congresso Nacional, já que grande parte dessas medidas dependem de prévia alteração legislativa, especialmente para a criação de novas competências e atribuições do Cade para atuar na designação de plataformas como de relevância sistêmica e impor obrigações específicas aplicáveis às plataformas assim designadas, além da criação de uma unidade técnica especializada dentro do Cade.

Continuaremos acompanhando os próximos desdobramentos da discussão.

Veja também: Lei nº 14.905/2024 e alteração do Código Civil

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