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20.01.2025

Contrariando CNJ, novas regras de eleição de foro limitam a eleição de varas especializadas

Novas regras de eleição de foro

O Código de Processo Civil foi alterado (Lei nº 14.879/2024) para modificar as regras para a eleição de foro em ações judiciais relacionadas a contratos privados. Segundo a nova regra, a eleição de foro deverá “guardar pertinência com o domicílio ou a residência de uma das partes ou com o local da obrigação” (art. 1º da Lei, que modificou o §1º do art. 63 do CPC). Se esses critérios não forem atendidos, o juiz poderá, de ofício, declinar a competência e remeter o caso para outra comarca seguindo as regras de competência do CPC.

 

O que muda com a Lei nº 14.879/2024?

Conforme a exposição de motivos da Lei1, a nova regra objetiva evitar a eleição de foro arbitrária e injustificada, assim como a sobrecarga de comarcas sem qualquer conexão com o caso em questão. No entanto, apesar dessa justificativa – que não foi estatisticamente comprovada –, os efeitos práticos da nova legislação não são necessariamente positivos.

Um dos efeitos adversos da nova regra é restringir a possibilidade de eleição de comarcas em que há justiça empresarial especializada como foro contratual, uma vez que a regra exige que o foro escolhido esteja vinculado ao domicílio de uma das partes, ao local da obrigação ou ao negócio jurídico discutido na demanda.

 

Impactos práticos da nova regra nas varas especializadas empresariais

Um dos principais motivos para a escolha de um foro específico pelas empresas é justamente a complexidade envolvida em determinadas relações empresariais, o que enseja a especialização em determinadas áreas, como disputas societárias, contratos de fornecimento de energia, compra e venda de participação societária, reorganizações societárias, contratos comerciais, propriedade industrial, franquias e operações de mercado de capitais.

A nova regra do CPC conflita com os esforços do CNJ2 na busca por alternativas de gestão processual, especialmente por meio da especialização das varas. Os benefícios dessa política são confirmados por pesquisas acadêmicas, as quais apontam, por exemplo, que processos de dissolução parcial de sociedade decididos em varas empresariais especializadas possuem um tempo médio de julgamento de 37% menor do que na justiça comum – não especializada3, bem como um ganho efetivo de qualidade e previsibilidade das decisões4.

 

Como mitigar riscos contratuais diante das mudanças

A nova redação do §1º do art. 63 do CPC, embora reforce a tentativa de coibir a prática do forum shopping5, compromete a autonomia privada das partes e gera incertezas jurídicas em contratos empresariais. A obrigatória vinculação do foro de eleição ao domicílio das partes ou ao local da obrigação/negócio jurídico desconsidera a relevância das varas especializadas como ferramenta de gestão processual e de previsibilidade nas negociações empresariais, em que a flexibilidade na escolha do foro é essencial para mitigar riscos e garantir segurança jurídica.

 

Recomendações para redigir cláusulas de foro

Para lidar com as incertezas decorrentes da nova norma, recomenda-se que as cláusulas de eleição de foro – até então feitas de forma padronizada – passem a detalhar a escolha a partir da especialidade da vara do foro a fim de evitar uma decisão padrão de declinação de competência. Essa medida é importante até que a jurisprudência comece a esclarecer a interpretação precisa acerca da aleatoriedade do juízo e da pertinência com o domicílio ou a residência de uma das partes ou com o local da obrigação agora exigida pelo art. 63 do CPC.

 

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[1] Veja-se em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2257620&filename=PL%201803/2023.

[2] CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Pesquisa de percepção dos magistrados, servidores e advogados quanto à especialização de varas por competência e a unificação de cartórios judiciais. Brasília: CNJ, 2021. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/08/Relatorio-de-unificacao-dos-cartorios_2020-08-25_3.pdf. Acesso em 21.10.2024.

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Formas alternativas de gestão processual: a especialização de varas e a unificação de serventias. Brasília: CNJ, 2020. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/08/Justica-Pesquisa_Relatorio_ABJ_2020-08-21_1.pdf. Acesso em 21.10.2024.

[3] NANI, Ana Paula Ribeiro. As Varas Empresariais do Tribunal de Justiça de São Paulo. Os impactos no tempo médio processual, na qualidade das decisões e na previsibilidade dos julgamentos em matéria empresarial. Dissertação de Mestrado. Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, 2023, p. 163.

Destaca-se que a autora realizou a pesquisa empírica focada nas Varas Empresariais do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. O estudo abrangeu processos públicos (excluindo os sigilosos/em segredo de justiça) em trâmite nas quatro Varas Empresariais do tribunal. O recorte temporal incluiu processos iniciados desde a criação dessas varas: dezembro de 2017 para as duas Varas da Capital e dezembro de 2019 para as duas Varas Regionais da 1ª RAJ, até 31 de dezembro de 2021.

[4] NANI, Ana Paula Ribeiro. As Varas Empresariais do Tribunal de Justiça de São Paulo. Os impactos no tempo médio processual, na qualidade das decisões e na previsibilidade dos julgamentos em matéria empresarial. Dissertação de Mestrado. Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, 2023.

[5] “Na competência jurisdicional geográfica, é comum que grandes empresas sejam capazes de influenciar quem será o seu julgador. Estas empresas têm recursos suficientes para mover um processo em diversas regiões geográficas. Como pode haver flutuação na jurisprudência de acordo com a região, as empresas podem mover o processo naquela região que maximiza sua probabilidade de procedência. Este fenômeno é conhecido por forum shopping. Ele é inibido pela justiça especializada uma vez que esta comumente tem competência exclusiva”. (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Formas alternativas de gestão processual: a especialização de varas e a unificação de serventias. Brasília: CNJ, 2020. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/08/Justica-Pesquisa_Relatorio_ABJ_2020-08-21_1.pdf. Acesso em 21.10.2024.

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