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09.05.2024

Uma promissora alternativa para resolução de conflitos no âmbito administrativo

Embora ainda persista a chamada “cultura do litígio” e haja obstáculos específicos e não desprezíveis para o recurso a modalidades de autocomposição para resolução de conflitos envolvendo a Administração Pública (e.g. indisponibilidade de direitos, conteúdo técnico complexo, restrições orçamentárias, entre outros), a existência de normas incentivando a constituição de câmaras de mediação e de conciliação tem apresentado resultados concretos, como exemplifica a experiência promissora da Câmara de Mediação e de Conciliação da Administração Pública Federal (CCAF), nos últimos anos.

Alternativas ao litígio: redução de custos e eficiência na resolução de disputas

Especificamente no campo normativo, o Código de Processo Civil (art. 174) e a Lei de Mediação (art. 32) dispõem sobre a competência da União para criar câmaras de mediação e de conciliação, com atribuições relacionadas à solução consensual de conflitos no âmbito administrativo[1]. Ainda, a Nova Lei de Licitações (arts. 151 a 154), a LINDB (art. 26) e sua respectiva regulamentação parcial pelo Decreto nº 9.830/19 privilegiam a adoção de meios alternativos de solução de conflitos na Administração Pública brasileira. A Lei das Concessões, por sua vez, já previa o emprego de mecanismos privados para a resolução de disputas decorrentes ou relacionadas ao contrato de concessão (art. 23-A, incluído pela Lei nº 11.196/2005).

Com base no quadro conferido por essas normas, a Câmara de Mediação e de Conciliação da Administração Pública Federal (CCAF) foi criada no âmbito federal em 2007 – pelo Ato Regimental nº 5 e pela Portaria AGU nº 1.281 – e tem se mostrado profícua em solucionar conflitos com a União, com 55 termos de conciliação celebrados no âmbito da CCAF ou das Câmaras Locais de Conciliação entre 2019 e 2024[2]. Nos últimos 5 anos a CCAF finalizou 143 processos – cerca da metade do total levado à Câmara –, conciliando conflitos em valor estimado de R$ 278,5 bilhões[3]. Segundo informações divulgadas à imprensa, a solução desses casos veio, em média, em 1 ano e 7 meses[4] –, muito mais rapidamente do que o Judiciário, que leva em média 3,5 anos por meio do processo eletrônico, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)[5]. De acordo com o diretor da CCAF, José Roberto da Cunha Peixoto, já houve caso definido em 7 dias[6] – o que torna a Câmara ainda mais atrativa.

Procedimento de mediação pela CCAF: etapas e vantagens

Desde a sua criação em 2007, a CCAF passou por diversas alterações, principalmente com o objetivo de ampliar e tornar mais efetiva sua atuação na prevenção e na solução consensual de conflitos no âmbito da administração pública federal, entre essa e os demais entes públicos, e entre entes públicos e particulares, tendo sido essa última atribuição instituída pela Lei de Mediação (arts. 32, II, e 43).

A submissão de um litígio atual ou potencial à mediação pela CCAF pressupõe, naturalmente, a concordância das partes envolvidas. As etapas para a realização do procedimento consistem, em síntese, em quatro fases: (i) preenchimento de requerimento de mediação pelo interessado; (ii) identificação de interesses, realizada pelo mediador da CCAF, por meio de reuniões com as partes envolvidas, e ao final desta etapa é realizado o juízo de admissibilidade do procedimento; (iii) prospecção de soluções, momento em que as partes e o mediador conduzem reuniões com os interessados a fim de explorar opções de soluções consensuais para o conflito; e, por fim, (iv) celebração de termo de conciliação, que será assinado por todas as partes e homologado ao final.

Os meios alternativos para solução de conflitos no âmbito administrativo e, especificamente, da CCAF, têm se mostrado uma promissora alternativa ao Judiciário, sobretudo considerando a abreviação de litígios e a redução de custos. Além disso, consistem em meio de diálogo que pode conduzir à melhor compreensão de situações complexas e de elevado conteúdo técnico, bem como favorecem a construção de convergências entre interesses privados e políticas públicas. Como a aderência das partes depende da concordância da autoridade pública envolvida, a preparação prévia e cuidadosa de demonstração da oportunidade e das vantagens oferecidas ao interesse público é fundamental para que haja interesse do Poder Público na autocomposição.

[1] Esse tema também é objeto de regramento pela Lei nº 9.469/97, regulamentada pelo Decreto nº 10.201/2020 e pela Portaria AGU nº 173/2020, que autoriza empresas públicas federais a realizarem acordos ou transações para prevenir ou terminar litígios judiciais.

[2] Dados disponíveis em: https://www.gov.br/agu/pt-br/composicao/cgu/cgu/ccafdir/termos-de-conciliacao.

[3] Informação obtida em: https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2023/09/05/camara-de-mediacao-da-agu-resolveu-r-278-bi-em-litigios.ghtml.

[4] Informação obtida em: https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2023/09/05/camara-de-mediacao-da-agu-resolveu-r-278-bi-em-litigios.ghtml. Tal média efetiva, contudo, está em patamar superior ao declarado no website do governo federal, de acordo com o qual o tempo médio estimado para realização de todo o procedimento é de 6 meses (https://www.gov.br/pt-br/servicos/obter-a-resolucao-de-conflitos-atraves-de-procedimento-de-mediacao-ccaf-cgu-agu).

[5] Informação obtida no relatório “Justiça em Números” de 2023: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2023/09/sumario-executivo-justica-em-numeros-200923.pdf.

[6] Informação obtida em: https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2023/09/05/camara-de-mediacao-da-agu-resolveu-r-278-bi-em-litigios.ghtml.

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