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COVID-19 – Projeto de Lei propõe alteração nos contratos administrativos

COVID-19 – Projeto de Lei propõe alteração nos contratos administrativos

No dia 23 de abril, o Senador Antônio Anastasia propôs o Projeto de Lei (“PL”) nº 2.139/2020, que dispõe sobre Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas contratuais da Administração Pública, no período da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (covid-19). O PL é análogo ao PL nº 1.179/2020, de mesma autoria e já aprovado pelo Senado, que trata do estabelecimento de um regime jurídico emergencial para as relações de direito privado, mas traz implicações potencialmente mais profundas sobre o marco jurídico das contratações públicas, incluindo concessões, aplicáveis inclusive para além do período da pandemia.

O PL trata, em síntese, de cinco principais temas: (i) possibilidade de suspensão de obrigações contratuais durante a pandemia; (ii) revisão ou reequilíbrio dos contratos com efeitos inclusive para além desse período; (iii) possibilidade de rescisão antecipada amigável de contratos administrativos; (iv) procedimento em caso de comprometimento do pagamento de tarifas em conta de isenções ou reduções impostas por autoridades de qualquer nível federativo; e (v) possibilidade de incorporação de cláusulas de arbitragem a contratos vigentes.

Esta nota apresenta e discute brevemente as alterações propostas pelo PL.

Alteração provisória do contrato

Frente às situações imprevistas decorrentes da atual pandemia, o PL prevê possibilidade de apresentação pelo contratado de plano de contingência com o propósito de assegurar a continuidade da execução contratual dos contratos administrativos. Em atenção a essa situação de contingência, possibilita revisão ou suspensão de obrigações, inclusive para postergação de investimentos exigidos em contrato, e autoriza a suspenção da exequibilidade de sanções.

A possibilidade de alteração excepcional do contrato está fundamentada na perspectiva, já existente, de sua extinção antecipada. Dessa maneira, em princípio, as alterações contratuais deverão estar justificadas em danos irreparáveis que resultariam dessa hipótese, com fundamento em justificativa econômica que deve ser apresentada pela contratada.

O PL prevê também possibilidade de postergação de pagamento de outorga, valores de compartilhamento de receitas, encargos de fiscalização e setoriais. Esses valores devem ser depositados em conta reserva pela concessionária e contabilizados separadamente, e podem ser utilizados para cobertura de custos na execução do contrato. Eventual saldo da conta pode ser utilizado na revisão futura do contrato, ou recolhido pela Administração.

Além dessa possibilidade, o PL também prevê algumas outras alterações excepcionais ao regime jurídico aplicável aos contratos administrativos: (i) possibilidade de que os limites previstos pelo art. 65, § 1º, da Lei 8.666/1993 sejam ultrapassados para acréscimo ou supressão ao contrato; (ii) em contratos com fatores redutores ou ampliadores de remuneração ou aplicação de penalidades, o PL autoriza a suspensão de sua aplicação, e a instituição de um sistema de desempenho atrelado a nível mínimo de qualidade de serviço; (iii) possibilidade de emprego de fundos setoriais para financiamento de medidas de reequilíbrio.

Essas medidas seriam transitórias, aplicáveis durante o período de calamidade pública, e estão em princípio fundamentadas na manutenção do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos.

Revisão e reequilíbrio contratual

Com olhos para o período posterior à calamidade pública vigente, o PL prevê que deverão ser instaurados processos para recomposição do equilíbrio econômico-financeiro do contrato. Como regra geral, haverá restauração das obrigações originais que tenham sido suspensas após o término do período de calamidade.

O § 2º do art. 6º prevê possibilidade de repactuação (revisão) da equação econômico-financeira dos contratos por acordo entre as partes “no contexto socioeconômico decorrente da emergência de saúde pública”. A disposição é aplicável para o período posterior ao término do estado de calamidade, e parece se prestar à readequação dos contratos administrativos às novas circunstâncias econômico-sociais, ainda incertas, que estarão configuradas no pós-pandemia.

Vale notar que, na revisão dos contratos, o PL possibilita inclusive, e expressamente, a reorganização da matriz de riscos do contrato. Por exemplo, em um contrato em que o risco de variação substancial da demanda esteja alocado no particular, poderia haver atribuição desse risco à Administração, com efeitos para o futuro da execução contratual.

Essas possibilidades de alteração da matriz econômico-financeira dos contratos administrativos, incluindo as concessões, serão provavelmente objeto de controvérsia, mas parecem estar justificadas frente às incertezas atualmente postas para o pós-pandemia. Deve-se notar, no entanto, que o PL parece adotar razões inadequadas para a motivação da revisão contratual, por vinculá-la aos mesmos critérios que motivam a alteração provisória dos contratos durante o período da pandemia. No ponto, pareceria mais adequado requerer análises econômicas e técnicas adicionais, fundadas já no período posterior à calamidade pública, como fundamento para a revisão definitiva dos contratos administrativos.

Rescisão amigável

O PL autoriza expressamente a possibilidade de rescisão dos contratos administrativos por acordo entre as partes, na hipótese em que fique demonstrada a inviabilidade econômica da continuidade do contrato. A norma confere segurança jurídica para a hipótese, e a retira do âmbito de potencialmente alongadas discussões judiciais.

Nessa hipótese, deve-se destacar que serão aplicáveis as regras de indenização por extinção antecipada do contrato, complementadas por disposições específicas postas pelo próprio PL pertinentes aos investimentos não amortizados e outros custos incorridos pela contratada, mas ainda não remunerados.

Eventual suspensão de pagamento de tarifas

O PL trata da possibilidade de adoção de medidas pela Administração que importem o comprometimento de pagamento de tarifa/preço público à concessionária, ainda que tenha contrato celebrado com outro ente federativo. O PL busca condicionar essa possibilidade à edição de ato normativo apenas justificável “para evitar danos irreparáveis ou de difícil reparação aos usuários”, após prévia audiência da concessionária e concomitante adoção de medidas de reequilíbrio, inclusive indenização.

Arbitragem

Finalmente, o PL também possibilita aditamento dos contratos para que passem a prever mecanismos de arbitragem e mediação. Apesar de não haver inovação no ponto, a possibilidade de incorporação de cláusula arbitral a contratos administrativos que não a prevejam pode ser positiva.

De forma geral, o PL adota medidas relevantes para possibilitar a continuidade de contratos administrativos frente ao contexto inesperado de calamidade pública atualmente vivenciado no Brasil. Algumas de suas disposições correspondem a efetivas inovações, e provavelmente serão objeto de intenso debate entre os publicistas, reguladores setoriais, concessionárias e representantes de poderes concedentes. Sua tramitação no Senado e, posteriormente, na Câmara dos Deputados, poderá trazer inovações adicionais, e deverá ser acompanhada proximamente.

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